segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Pílula I

É um ano de merda. Disse Carlos. Estava sentado em frente a um bar ouvindo os lamentos de uma peruana que saíam do estéreo do carro de Wilson, sinal maior de que a fluoxetina tinha perdido para o álcool e que o desânimo começava a se alastrar pelo bairro acordando os vizinhos e espalhando o ódio. Tudo que tinha pra dar errado deu. Continuou Carlos. Eu perdi minha mulher e saí do apartamento e agora estou de volta a casa dos meus pais como se fosse o filho da puta de um colegial. Tomou um gole de cerveja e acendeu seu cigarro com dois fósforos. Olhou para a rua, notando um carro estacionado que tinha balões no seu teto e também um inscrito imbecil; era uma madrugada quente de janeiro e o bar onde estava com Wilson era só o primeiro ponto em uma noite pretensamente insana, estava vestido com roupas velhas e escondia sua barriga saliente com uma camisa branca manchada de montilla. Não tenho um puto no bolso, mas não minto, as pessoas sempre sabem quando estou na merda. Disse Carlos. Wilson disse que sabia, e que se fosse cobrar tudo o que Carlos devia pra ele, teria que quebrar suas pernas. Os dois riram. Wilson pegou o copo de cerveja e bebeu metade em um gole forte. “Já ouviu a história do idiota?”. Não tinha ouvido, mas ele contou para Carlos. Era sobre um idiota que foi chamado pelos irmãos para tomar conta da horta, tendo que matar quem viesse roubar. Acontece que a mãe deles foi colher alguma coisa, e o idiota a matou com um pedaço de pau.  (um mendigo se aproxima e pede um trocado, mas nenhum de nós dá nada). Quando os irmãos viram o corpo da mãe, perguntaram o que houve. O idiota disse que tinha feito como eles mandaram. Mas ela era nossa mãe, disseram os irmãos. “Eu sei! Ainda não entendi por que ela veio roubar!”. Os dois riram. A peruana começa a gritar como só quem sabe o quanto um fodido pode se foder pode gritar. Carlos mantém seu olhar na garota indie de pouco mais de dezessete anos que está na mesa do lado encarando a Ipanema de Wilson com certo incomodo, pedindo às amigas para pagarem a conta e mudarem de bar. Mexe no pinto, sentindo uma ereção de ponta mole. Estou ficando velho, e você também. Diz Carlos. Eu estou ficando careca, não estou? Antes careca que broxa, diz Wilson. Há dois meses atrás, Wilson atravessou meio país para comer uma gaúcha de quinze anos. A peruana clama que sua guitarra é seu povo (companheiro); Wilson começa a cantar que solo le pide a diós. Carlos pensa em levantar e abordar a outra mesa, pedindo desculpas pelo amigo, isso deve funcionar para puxar conversa. Oh, Deus! A mula manca é um animal extremamente perturbado! Ri como um idiota. Toma outro gole e joga o cigarro na rua; a chama cai sobre um carro em movimento e desaparece.

POST I

E como alguma ave mitológica babaca, o velho símbolo ressurge das cinzas.

E é isso. Começou.