terça-feira, 30 de agosto de 2011

Sinto

Sinto, logo, existo.

Vejo... estão chegando, estão chegando outra vez mais.
Aproximam-se, ouço os cascos dos cavalos batendo no chão.
O cheiro do meu suor de repente parou de me icomodar, senti aquele pulsar de adrenalina se espalhando de sua forma gélida e logo após morna pela minha corrente sanguinea.
Senti meu sangue escorrendo pelas minhas costas, "aproximadamente 4 dados abaixo do meu pulmão " pensei.
Corri como se a dor fosse suportável. Após encontrar abrigo é que a dor realmente chegou.
Estava ferido.

Não fosse a chuva meu rastro sanguineo estaria facilmente rastreável.

Adormeci, e acordei, não sei quanto tempo depois, talvez a bala tenha pego apenas de raspão, a dor continuava pungente, porém, agora, eu só podia pensar em sobreviver.

Ouvi os cães. Corri para fora dos arbustos em que me encontrava. Subi na primeira árvore que vi. Ouvi balas cortando o ar metros atrás de mim, talvez tanham me visto, talvez estejam blefando. O fato é que o mundo está ficando perigoso demais para mim. Porém. Não pretendo sair dele tão cedo. Não sei quantas horas se passaram desde que estava á beira do rio a beber àgua. Sabia apenas que continuava sangrando, e que assim morreria em breve. Mas não nas mãos daqueles seres desumanos, nem de seus servos cães. Livres somos nós. As raposas.

domingo, 26 de junho de 2011

Solitário

Eu vinha andando pela rua, me pediu um cigarro. Dei o cigarro e um troco para comprar um vinho, ninguém merece o frio deste mês sem um bom vinho.
Me agradeceu, como deveria fazer, e cuspiu na minha cara.

E esta foi a primeira vez que nos vimos, parecia me perseguir onde quer que eu estivesse.
Por 3 anos, o vi em lugares inesperados todos os dias.
Um dia, vestido de Armani sentado na mesa do meu chefe, outro dia jogado no chão com roupas rasgadas e um trapo de cobertor velho.

Não sei bem quem é. Na verdade, não sei nem se ele existe.
Ele drena meus sonhos, sempre me senti um tipo de deus. E de repente eu nem sei como poderia evitá-lo.

Sou um deus prepotente que mora de aluguel em um apartamento de 36m², definitivamente não sou um deus, aquele olhar triste e sádico me assombra. Tenho medo de me tornar assim, de um dia sentar-me na mesa do meu chefe, e no outro dia deitar-me na rua sob um trapo de cobertor velho. Solitário, o mais triste é que está sempre solitário. Será que termino assim?

quarta-feira, 23 de março de 2011

10:32 AM - 23/03/2011 D.C.

Os vi todos,

Ao passar, ví-os rastejar,
Ví-os pedir
Ví-os...
Fome...

Ví, vim, acovardei-me e nada fiz,
Não tenho vergonha disso,
Nada poderia fazer,
ou pelo menos,
isso sempre foi o que quiseram que eu pensasse...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Isaac

" Isaac tinha mais que alguns feijões nos bolsos" os pais dele disseram.

O Isaac agora estava internado, e parecia ser "para sempre", ou pelo menos para o "enquanto dure", o efeito ou Isaac.

Isaac não gostava de carnaval...
Isaac não lia Camões...

Isaac era um filho da puta, daqueles que não fazem nada, mas sempre que você o via dava uma vontade de atacar uma pedra. Alguns corriam atrás dele...

Foi encontrado no centro de exposições, às 3 da tarde, semi-vivo, morreu a caminho do hospital. Tinha 3 feijões no estômago, sua refeição na última semana.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Padrões

Era um daqueles que vivem num mundo normal,
Lia coisas normais, ouvia músicas normais,
Brincava na rua normal
Caia...
___________...e...
_______________...ralava o jelho...
___________________________...normal...

Suas notas, na escola, eram normais
para um menino pobre
tinha um cachorro normal, que latia normalmente

Sua familia era normal, sua mãe era normal,
Seu pai era normal ...
________________... Seu tio...
________________________Seu avô...____________________normais...
Seus sonhos... futuro...

Seu fim... tudo era normal demais para se acostumar...

Normal...________________previsível...____________________ tornou-se desprezível...

Tinha um fuzíl normal, daqueles que os soldados normais,
normalmente usam nas guerras normais...

Planejou isto pelos seus trinta e cinco normais anos de vida- Vida normal

Levou de forma anormalmente deplorável, todos os próximos, junto a sí, para o inferno.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Poesia
é o menino só
dispersando bolhas
de sabão

             janela
terceiro andar

e questão suscitar ao poeta:
qual o tempo de sopro
de uma bolha de sabão?

tão mais fácil e duradouro
                                        seu percurso,
mosaicando o céu nublado          
                                        podendo voar
tão alto quanto os sonhos
                                        meninos

que fez diante dos olhos
do poeta
a tarde brilhar mais forte
e menos crua

14/02/2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Nikolai Castigado

Ainda lembro do espetáculo que foi a enchente de 27-12-10.

Corremos pro pequeno barraco nos fundos do sítio antes que a correnteza ganhasse força. Meu sobrinho bebê havia sumido, e não tínhamos ideia de onde nosso pai estava. Eu, meu irmão e a mulher dele subimos no telhado. A água barrenta corria pelo terreno, arrastando pedras e merda e destruindo as plantações. O chão do celeiro tinha cedido, formando uma depressão profunda. Os cachorros nadavam em desespero de um lado para outro e os porcos e os ratos morriam soltando guinchos horríveis e o único cavalo tinha desistido e estava morto boiando na água. Amanda chorava me encarando e dizendo: “O que faremos agora, Carlos?”. Nikolai sentava na ponta do telhado olhando pra cima e deixando a chuva cair em seus olhos. Eu olhava o caldeirão de bosta onde antes era o celeiro, sem nem piscar. Amanda caminhou até a beira, tentando salvar um pequeno porco, seu guinchado choroso interrompido aos solavancos pela água, mas não conseguiu e quase caiu também. Nikolai soltou um riso rápido e voltou a olhar pra cima.

Quando a chuva acabou um sol forte cobriu o lugar. Nikolai tinha tirado os sapatos e secava as meias no telhado, passando o isqueiro (que funcionava por milagre) nos cigarros que sobraram, tentando secá-los; olhava pra mulher, recolhida em posição fetal do outro canto do telhado, chorando em silêncio. Eu olhei pra fora: um cachorro negro tinha sobrevivido e boiava uivando sobre um porco morto. Nikolai abriu a boca pela primeira vez naquela noite, dizendo que o uivo tinha soado como “oh danny boy the pipes the pipes are ca-a-lling”. Uma enorme mão surgiu do alto, rindo ferozmente da piada.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Blasfêmia

A volumosa bicha esquizofrênica – reumática e teatral – levanta na igreja e profetiza:

“Jesus comeu minha bunda! Quero retaliação”.

“Volte para o seu canto, demônio!” – diz o pastor.

“Mas é sério. Ele comeu. Olha” – e mostra o cu arrombado de pregas soltas.

“Isso não prova nada” – diz uma beata.

“Mas não desmente também” – e sai correndo da igreja rindo como um filho-da-puta.

Naquela mesma noite, enquanto a bicha tomava banho de ducha, acariciando o pinto, uma estranha espuma começou a subir do ralo; um cristo triste e purulento saiu de dentro da espuma, agarrando seu calcanhar esquerdo e puxando seus testículos. As bolas estouraram, caindo no chão e rolando até o vaso sanitário. A bicha ouviu um resmungo que parecia dizer: “ninguém é culpado do mesmo crime duas vezes”, mas já era tarde demais: a mandíbula do criador já tinha penetrado em sua virilha, deixando um buraco profundo, verdadeiro convite para as moscas.

Anna

Anna era do tipo de gente que tem o poder de encantar por onde passa.
Parecia que as flores ficavam mais lindas, que o ar ficava mais fresco, que o feijão ficava mais gostoso. Era dotada de um sorriso que faria o melhor dos guardas do rei abrir o quarto do rei e matá-lo se ela pedisse.

Não comia carnes - costume incomum para a época- pois não queria matar nenhum animal.

Usava roupas confortáveis, nada muito bonito, trabalhava na roça com seus pais, e estudava na escola improvisada da cidade, onde a aula era dada pelo padre ( único cidadão que sabia ler e escrever, não só a língua local, mas também em latim) que aproveitava os inícios das aulas para dar a sua catequese.

As habilidades do padre sempre a impressionaram. Como alguém poderia ler e escrever em duas línguas?

Seu vestido mostrava os tornozelos com cuidado, uma mulher com panturrilhas à mostra era uma desesperada por um homem para casar-se. Aos 15 anos, a pequena sociedade já a pressionava para que arrumasse um marido, não que Anna não quisesse, seus seios já eram desenvolvidos o suficiente para aparecerem pressionados contra o tecido do vestido, o que fazia muitos garotões olharem-na com cara de bestas selvagens, simplesmente não queria agora. Queria mesmo era aprender a ler, e procurar algum trambiqueiro para lhe arrumar um bom livro grego, ah os gregos!, queria entender aquela coisa de filosofia, o padre dizia que era coisa do demônio, mas nada mais humano do que o demônio que para ela era uma invenção humana, como aquele papo de que era possível chegar à lua. Haviam terras além dos olhares, sabia que os horizontes escondiam pessoas e histórias incríveis, como o próprio cristo, que o padre sempre agradece no nosso idioma após minutos de enrolação em latim, não entendiam nada do que ele estava falando, e ele poderia estar vendendo-lhes para o demônio se quisesse. Mas era a melhor parte da aula sem dúvida. Ela ria e imaginava o significado de cada palavra que o padre dizia.

Morreu após ser pega, anos depois, lendo A República de Platão, autor considerado um grego blasfemador e como todos os gregos teve sua leitura proibida durante toda a Idade Media, acusada de bruxaria.

O padre que lhe dava aulas falou enrolado em latim pela ultima vez, ela estava amarrada à sua mãe e seu pai na fogueira ( uma bruxa não morre sozinha), de forma irônica, percebeu as enrolações do padre com um tom triste, a cidade estava de luto, mas deviam cremá-la, era a ordem direta do vaticano, quem ousaria desobedecer o vaticano? As bruxas tinham de ser eliminadas de forma cruel, seus pais foram amarrados mais abaixo na fogueira, para que ela os visse morrer antes de alcançar sua morte. Sua mãe agora com 35 anos e já acima da expectativa de vida regional, chorava e não conseguia olhar para a filha. Seu pai, homem forte e sempre sério, olhava sem foco para o horizonte da cidade. O padre terminou a enrolação. Olhou-a nos olhos com lágrimas visíveis e disse: " sempre desconfiei de você Anna, uma pessoa que toma banho todos os dias- uma pessoa limpa não precisa lavar-se tanto, era no que acreditavam na época( espanhóis fedem até hoje)- ler gregros? pra que? se Deus nos mandou o único livro que precisamos ler."

A cidade toda estava lá, era a lei, quem não estivesse era acusado de bruxaria e naquele vilarejo, não haviam muitos eventos destes por décadas, ninguém queria ser o protagonista do próximo, o padre ergueu seu crucifixo e ordenou a todos que erguessem suas mãos direitas, enrolou algo em latim, com voz ríspida e rouca, e leu o édito (documento da época que perdoava heresias como judaísmo e islamismo, desde que a pessoa se convertesse e entregasse à igreja, para a fogueira, seus parceiros de religião), e como ninguém se manifestou, ordenou que acendessem a fogueira.

O feno na base da fogueira estalava-se com o calor, Anna já podia ouvir seus pais gritando de sofrimento aos seus pés, o cheiro da carne assando de seus pés estava causando-lhe naúseas, seus pais já estavam desmaiados e ela sentia que estava para desmaiar, a morte no fogo não acontece ao desmaiar, você acorda antes de morrer para gritar de dor. Os três gritos foram ouvidos quase juntos, seus pais primeiro e o desespero da notícia a fez começar o seu antes, alguns segundos depois e o seu próprio grito de morte começou. Grito que atormentou a mente do padre até o final dos seus dias.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Nikolai Enamorado

Nenhum júri iria condenar Nikolai conscientemente: com os olhos vidrados, fumava seu cachimbo de magritte, sentado na cadeira-do-papai e olhando com ódio o corpo dormente de Amanda. A noite tinha sido infernal. Tinha as costas machucadas e ela tinha marcas de dedos em torno do pescoço. E Nikolai sentiu a pele do braço esquerdo desgrudar: as veias de seu pulso incharam, brotando em uma sensação de urgência que se estendeu do cotovelo até o punho: uma chaga se abriu na palma de sua mão, e ele sorriu pensando: ah, mas os filhos da puta me pegaram pra cristo! e começou a acariciar a pele mole pra frente e pra trás, até a dor se espalhar por todo o seu corpo e a câimbra invadir suas pernas. O braço teve espasmos, a chaga começou a soltar um líquido transparente de cheiro agridoce e Nikolai sentiu por alguns instantes um nirvana de ansiedade que nunca ousou imaginar; enquanto sentia aquele eretismo, o transparente se tornou vermelho e pedaços de carne foram espirrados pela chaga, alargando-a, e sentiu os membros vacilando e uma dor insuportável o dominou e os ossos começaram a se partir, mas não conseguia gritar e apenas soltava gemidos curtos. Uma enorme poça de sémem e sangue e miúdos se estendeu sob os pés descalços de Nikolai, que ficava mais magro e sorria pálido enquanto a chaga fluía como um rio. Na manhã seguinte: Amanda acorda com uma enorme dor de cabeça. Mas só o que restava de Nikolai era um crânio de macaco de cimento largado em meio à terrível poça do que um dia tinha sido uma existência brilhante.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Xícara

Não tenho mais paciência pra cigarro e bebida. Além de tudo, acabam com meu estômago.

...

Alguém bateu à porta, não sei quem é. Arrancarei-lhe a cabeça.
Não tenho paciência com estranhos. Perco facilmente minha paciência comigo mesmo.
Meus bichinhos de pelúcia estão com medo. Que tipo de homem tem bichinhos de pelúcia?

Melhor mesmo é fornicar com desconhecidos mentalmente. O toque humano é ultrajante.

Perco-me facilmente em minhas próprias teorias. Me assusto ás vezes ao saber que algumas pessoas inteligentes tem teorias parecidas, e muito quando leio frases identicas às que considerava minhas. Talvez seja o mesmo sabor de chá. Talvez sejam os bichinhos de pelúcia falantes.

Tenho medo de bonecas. Que tipo de idiota satânico sádico com desejos pedófilos as criou? Aposto que a primeira boneca já era uma boneca inflável. Como ver algo belo numa reprodução da imagem humana. Como se o reproduzido fosse melhor do que o seu original.

A única coisa boa no ser humano, é que nós morremos.

Gosto mesmo é de rosas. Tenho medo do escuro.

próximo ponto.

Você lia

100 melhores bandas da década


enquantoespremidaMEencontrava
no balanço
                 l   e  n   t  o
dotransportepúblico

no entanto, sentia o cheiro
de suas coxas.
                      e era isso que me iluminava.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Pílula I

É um ano de merda. Disse Carlos. Estava sentado em frente a um bar ouvindo os lamentos de uma peruana que saíam do estéreo do carro de Wilson, sinal maior de que a fluoxetina tinha perdido para o álcool e que o desânimo começava a se alastrar pelo bairro acordando os vizinhos e espalhando o ódio. Tudo que tinha pra dar errado deu. Continuou Carlos. Eu perdi minha mulher e saí do apartamento e agora estou de volta a casa dos meus pais como se fosse o filho da puta de um colegial. Tomou um gole de cerveja e acendeu seu cigarro com dois fósforos. Olhou para a rua, notando um carro estacionado que tinha balões no seu teto e também um inscrito imbecil; era uma madrugada quente de janeiro e o bar onde estava com Wilson era só o primeiro ponto em uma noite pretensamente insana, estava vestido com roupas velhas e escondia sua barriga saliente com uma camisa branca manchada de montilla. Não tenho um puto no bolso, mas não minto, as pessoas sempre sabem quando estou na merda. Disse Carlos. Wilson disse que sabia, e que se fosse cobrar tudo o que Carlos devia pra ele, teria que quebrar suas pernas. Os dois riram. Wilson pegou o copo de cerveja e bebeu metade em um gole forte. “Já ouviu a história do idiota?”. Não tinha ouvido, mas ele contou para Carlos. Era sobre um idiota que foi chamado pelos irmãos para tomar conta da horta, tendo que matar quem viesse roubar. Acontece que a mãe deles foi colher alguma coisa, e o idiota a matou com um pedaço de pau.  (um mendigo se aproxima e pede um trocado, mas nenhum de nós dá nada). Quando os irmãos viram o corpo da mãe, perguntaram o que houve. O idiota disse que tinha feito como eles mandaram. Mas ela era nossa mãe, disseram os irmãos. “Eu sei! Ainda não entendi por que ela veio roubar!”. Os dois riram. A peruana começa a gritar como só quem sabe o quanto um fodido pode se foder pode gritar. Carlos mantém seu olhar na garota indie de pouco mais de dezessete anos que está na mesa do lado encarando a Ipanema de Wilson com certo incomodo, pedindo às amigas para pagarem a conta e mudarem de bar. Mexe no pinto, sentindo uma ereção de ponta mole. Estou ficando velho, e você também. Diz Carlos. Eu estou ficando careca, não estou? Antes careca que broxa, diz Wilson. Há dois meses atrás, Wilson atravessou meio país para comer uma gaúcha de quinze anos. A peruana clama que sua guitarra é seu povo (companheiro); Wilson começa a cantar que solo le pide a diós. Carlos pensa em levantar e abordar a outra mesa, pedindo desculpas pelo amigo, isso deve funcionar para puxar conversa. Oh, Deus! A mula manca é um animal extremamente perturbado! Ri como um idiota. Toma outro gole e joga o cigarro na rua; a chama cai sobre um carro em movimento e desaparece.

POST I

E como alguma ave mitológica babaca, o velho símbolo ressurge das cinzas.

E é isso. Começou.