sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Poesia
é o menino só
dispersando bolhas
de sabão

             janela
terceiro andar

e questão suscitar ao poeta:
qual o tempo de sopro
de uma bolha de sabão?

tão mais fácil e duradouro
                                        seu percurso,
mosaicando o céu nublado          
                                        podendo voar
tão alto quanto os sonhos
                                        meninos

que fez diante dos olhos
do poeta
a tarde brilhar mais forte
e menos crua

14/02/2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Nikolai Castigado

Ainda lembro do espetáculo que foi a enchente de 27-12-10.

Corremos pro pequeno barraco nos fundos do sítio antes que a correnteza ganhasse força. Meu sobrinho bebê havia sumido, e não tínhamos ideia de onde nosso pai estava. Eu, meu irmão e a mulher dele subimos no telhado. A água barrenta corria pelo terreno, arrastando pedras e merda e destruindo as plantações. O chão do celeiro tinha cedido, formando uma depressão profunda. Os cachorros nadavam em desespero de um lado para outro e os porcos e os ratos morriam soltando guinchos horríveis e o único cavalo tinha desistido e estava morto boiando na água. Amanda chorava me encarando e dizendo: “O que faremos agora, Carlos?”. Nikolai sentava na ponta do telhado olhando pra cima e deixando a chuva cair em seus olhos. Eu olhava o caldeirão de bosta onde antes era o celeiro, sem nem piscar. Amanda caminhou até a beira, tentando salvar um pequeno porco, seu guinchado choroso interrompido aos solavancos pela água, mas não conseguiu e quase caiu também. Nikolai soltou um riso rápido e voltou a olhar pra cima.

Quando a chuva acabou um sol forte cobriu o lugar. Nikolai tinha tirado os sapatos e secava as meias no telhado, passando o isqueiro (que funcionava por milagre) nos cigarros que sobraram, tentando secá-los; olhava pra mulher, recolhida em posição fetal do outro canto do telhado, chorando em silêncio. Eu olhei pra fora: um cachorro negro tinha sobrevivido e boiava uivando sobre um porco morto. Nikolai abriu a boca pela primeira vez naquela noite, dizendo que o uivo tinha soado como “oh danny boy the pipes the pipes are ca-a-lling”. Uma enorme mão surgiu do alto, rindo ferozmente da piada.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Blasfêmia

A volumosa bicha esquizofrênica – reumática e teatral – levanta na igreja e profetiza:

“Jesus comeu minha bunda! Quero retaliação”.

“Volte para o seu canto, demônio!” – diz o pastor.

“Mas é sério. Ele comeu. Olha” – e mostra o cu arrombado de pregas soltas.

“Isso não prova nada” – diz uma beata.

“Mas não desmente também” – e sai correndo da igreja rindo como um filho-da-puta.

Naquela mesma noite, enquanto a bicha tomava banho de ducha, acariciando o pinto, uma estranha espuma começou a subir do ralo; um cristo triste e purulento saiu de dentro da espuma, agarrando seu calcanhar esquerdo e puxando seus testículos. As bolas estouraram, caindo no chão e rolando até o vaso sanitário. A bicha ouviu um resmungo que parecia dizer: “ninguém é culpado do mesmo crime duas vezes”, mas já era tarde demais: a mandíbula do criador já tinha penetrado em sua virilha, deixando um buraco profundo, verdadeiro convite para as moscas.

Anna

Anna era do tipo de gente que tem o poder de encantar por onde passa.
Parecia que as flores ficavam mais lindas, que o ar ficava mais fresco, que o feijão ficava mais gostoso. Era dotada de um sorriso que faria o melhor dos guardas do rei abrir o quarto do rei e matá-lo se ela pedisse.

Não comia carnes - costume incomum para a época- pois não queria matar nenhum animal.

Usava roupas confortáveis, nada muito bonito, trabalhava na roça com seus pais, e estudava na escola improvisada da cidade, onde a aula era dada pelo padre ( único cidadão que sabia ler e escrever, não só a língua local, mas também em latim) que aproveitava os inícios das aulas para dar a sua catequese.

As habilidades do padre sempre a impressionaram. Como alguém poderia ler e escrever em duas línguas?

Seu vestido mostrava os tornozelos com cuidado, uma mulher com panturrilhas à mostra era uma desesperada por um homem para casar-se. Aos 15 anos, a pequena sociedade já a pressionava para que arrumasse um marido, não que Anna não quisesse, seus seios já eram desenvolvidos o suficiente para aparecerem pressionados contra o tecido do vestido, o que fazia muitos garotões olharem-na com cara de bestas selvagens, simplesmente não queria agora. Queria mesmo era aprender a ler, e procurar algum trambiqueiro para lhe arrumar um bom livro grego, ah os gregos!, queria entender aquela coisa de filosofia, o padre dizia que era coisa do demônio, mas nada mais humano do que o demônio que para ela era uma invenção humana, como aquele papo de que era possível chegar à lua. Haviam terras além dos olhares, sabia que os horizontes escondiam pessoas e histórias incríveis, como o próprio cristo, que o padre sempre agradece no nosso idioma após minutos de enrolação em latim, não entendiam nada do que ele estava falando, e ele poderia estar vendendo-lhes para o demônio se quisesse. Mas era a melhor parte da aula sem dúvida. Ela ria e imaginava o significado de cada palavra que o padre dizia.

Morreu após ser pega, anos depois, lendo A República de Platão, autor considerado um grego blasfemador e como todos os gregos teve sua leitura proibida durante toda a Idade Media, acusada de bruxaria.

O padre que lhe dava aulas falou enrolado em latim pela ultima vez, ela estava amarrada à sua mãe e seu pai na fogueira ( uma bruxa não morre sozinha), de forma irônica, percebeu as enrolações do padre com um tom triste, a cidade estava de luto, mas deviam cremá-la, era a ordem direta do vaticano, quem ousaria desobedecer o vaticano? As bruxas tinham de ser eliminadas de forma cruel, seus pais foram amarrados mais abaixo na fogueira, para que ela os visse morrer antes de alcançar sua morte. Sua mãe agora com 35 anos e já acima da expectativa de vida regional, chorava e não conseguia olhar para a filha. Seu pai, homem forte e sempre sério, olhava sem foco para o horizonte da cidade. O padre terminou a enrolação. Olhou-a nos olhos com lágrimas visíveis e disse: " sempre desconfiei de você Anna, uma pessoa que toma banho todos os dias- uma pessoa limpa não precisa lavar-se tanto, era no que acreditavam na época( espanhóis fedem até hoje)- ler gregros? pra que? se Deus nos mandou o único livro que precisamos ler."

A cidade toda estava lá, era a lei, quem não estivesse era acusado de bruxaria e naquele vilarejo, não haviam muitos eventos destes por décadas, ninguém queria ser o protagonista do próximo, o padre ergueu seu crucifixo e ordenou a todos que erguessem suas mãos direitas, enrolou algo em latim, com voz ríspida e rouca, e leu o édito (documento da época que perdoava heresias como judaísmo e islamismo, desde que a pessoa se convertesse e entregasse à igreja, para a fogueira, seus parceiros de religião), e como ninguém se manifestou, ordenou que acendessem a fogueira.

O feno na base da fogueira estalava-se com o calor, Anna já podia ouvir seus pais gritando de sofrimento aos seus pés, o cheiro da carne assando de seus pés estava causando-lhe naúseas, seus pais já estavam desmaiados e ela sentia que estava para desmaiar, a morte no fogo não acontece ao desmaiar, você acorda antes de morrer para gritar de dor. Os três gritos foram ouvidos quase juntos, seus pais primeiro e o desespero da notícia a fez começar o seu antes, alguns segundos depois e o seu próprio grito de morte começou. Grito que atormentou a mente do padre até o final dos seus dias.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Nikolai Enamorado

Nenhum júri iria condenar Nikolai conscientemente: com os olhos vidrados, fumava seu cachimbo de magritte, sentado na cadeira-do-papai e olhando com ódio o corpo dormente de Amanda. A noite tinha sido infernal. Tinha as costas machucadas e ela tinha marcas de dedos em torno do pescoço. E Nikolai sentiu a pele do braço esquerdo desgrudar: as veias de seu pulso incharam, brotando em uma sensação de urgência que se estendeu do cotovelo até o punho: uma chaga se abriu na palma de sua mão, e ele sorriu pensando: ah, mas os filhos da puta me pegaram pra cristo! e começou a acariciar a pele mole pra frente e pra trás, até a dor se espalhar por todo o seu corpo e a câimbra invadir suas pernas. O braço teve espasmos, a chaga começou a soltar um líquido transparente de cheiro agridoce e Nikolai sentiu por alguns instantes um nirvana de ansiedade que nunca ousou imaginar; enquanto sentia aquele eretismo, o transparente se tornou vermelho e pedaços de carne foram espirrados pela chaga, alargando-a, e sentiu os membros vacilando e uma dor insuportável o dominou e os ossos começaram a se partir, mas não conseguia gritar e apenas soltava gemidos curtos. Uma enorme poça de sémem e sangue e miúdos se estendeu sob os pés descalços de Nikolai, que ficava mais magro e sorria pálido enquanto a chaga fluía como um rio. Na manhã seguinte: Amanda acorda com uma enorme dor de cabeça. Mas só o que restava de Nikolai era um crânio de macaco de cimento largado em meio à terrível poça do que um dia tinha sido uma existência brilhante.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Xícara

Não tenho mais paciência pra cigarro e bebida. Além de tudo, acabam com meu estômago.

...

Alguém bateu à porta, não sei quem é. Arrancarei-lhe a cabeça.
Não tenho paciência com estranhos. Perco facilmente minha paciência comigo mesmo.
Meus bichinhos de pelúcia estão com medo. Que tipo de homem tem bichinhos de pelúcia?

Melhor mesmo é fornicar com desconhecidos mentalmente. O toque humano é ultrajante.

Perco-me facilmente em minhas próprias teorias. Me assusto ás vezes ao saber que algumas pessoas inteligentes tem teorias parecidas, e muito quando leio frases identicas às que considerava minhas. Talvez seja o mesmo sabor de chá. Talvez sejam os bichinhos de pelúcia falantes.

Tenho medo de bonecas. Que tipo de idiota satânico sádico com desejos pedófilos as criou? Aposto que a primeira boneca já era uma boneca inflável. Como ver algo belo numa reprodução da imagem humana. Como se o reproduzido fosse melhor do que o seu original.

A única coisa boa no ser humano, é que nós morremos.

Gosto mesmo é de rosas. Tenho medo do escuro.

próximo ponto.

Você lia

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enquantoespremidaMEencontrava
no balanço
                 l   e  n   t  o
dotransportepúblico

no entanto, sentia o cheiro
de suas coxas.
                      e era isso que me iluminava.