quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Nikolai Castigado

Ainda lembro do espetáculo que foi a enchente de 27-12-10.

Corremos pro pequeno barraco nos fundos do sítio antes que a correnteza ganhasse força. Meu sobrinho bebê havia sumido, e não tínhamos ideia de onde nosso pai estava. Eu, meu irmão e a mulher dele subimos no telhado. A água barrenta corria pelo terreno, arrastando pedras e merda e destruindo as plantações. O chão do celeiro tinha cedido, formando uma depressão profunda. Os cachorros nadavam em desespero de um lado para outro e os porcos e os ratos morriam soltando guinchos horríveis e o único cavalo tinha desistido e estava morto boiando na água. Amanda chorava me encarando e dizendo: “O que faremos agora, Carlos?”. Nikolai sentava na ponta do telhado olhando pra cima e deixando a chuva cair em seus olhos. Eu olhava o caldeirão de bosta onde antes era o celeiro, sem nem piscar. Amanda caminhou até a beira, tentando salvar um pequeno porco, seu guinchado choroso interrompido aos solavancos pela água, mas não conseguiu e quase caiu também. Nikolai soltou um riso rápido e voltou a olhar pra cima.

Quando a chuva acabou um sol forte cobriu o lugar. Nikolai tinha tirado os sapatos e secava as meias no telhado, passando o isqueiro (que funcionava por milagre) nos cigarros que sobraram, tentando secá-los; olhava pra mulher, recolhida em posição fetal do outro canto do telhado, chorando em silêncio. Eu olhei pra fora: um cachorro negro tinha sobrevivido e boiava uivando sobre um porco morto. Nikolai abriu a boca pela primeira vez naquela noite, dizendo que o uivo tinha soado como “oh danny boy the pipes the pipes are ca-a-lling”. Uma enorme mão surgiu do alto, rindo ferozmente da piada.

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